Ontem eu fui até
minhas lembranças
encontrei muitas ruínas
encontrei muitos retalhos, muitos caminhos inacabados, muitos atalhos e muitas voltas
Encontrei dúvidas e certezas, encontrei muitas opções de escolhas
Encontrei também fragmentos de quem sabe,
de talvez, de até logo, até breve, de nunca mais...
Mas ainda encontrei em tempo
de visualizar por alguns segundos
antes que desfragmentasse,
antes que acabasse, antes que morresse para sempre naquele segundo,
sim meu sorriso infantil e esperançoso
ainda estava lá, guardado na minha lembrança
Quando se é criança, se pode sonhar colorido, colorido de esperança, colorido de lollipop
Olhando um pouco mais adiante, alguns passos de segundo notei um espelho quebrado,
dentro estava uma pessoa
adulta e calada, cabisbaixa e pensativa
Não pude ver o rosto, mas me lembrou
alguém muito próximo de agora, os cabelos longos e jogados na face
encobria a sua identidade
Estremeci quando notei a semelhança,
trazia em uma mão a historia
de uma vida, e na outra mão
apertava forte uma caneta, a caneta que escrevia as nossas escolhas
Foi quando lembrei vagamente que nessa fração de segundo
eu poderia ainda escrever a minha historia, afinal a caneta da Vida só seca a sua tinta
quando desistimos de nós e esquecemos que somos
os autores e co-autores de nossas ações.
Quando eu era criança sempre escrevia carta pro papai noel
todas as noites que antecedia o natal eu colocava a carta na janela
e dormia cedo pra não perder o encanto, era sabido que quem não dormia não recebia presente, pois quebrava o encanto do natal.
Em uma dessas noites eu que havia dormido o dia todo, estava sem sono e fingi estar dormindo só pra ver o bom velhinho deixar meu presente.
Foi decepcionante quando vi meu irmão colocar o presente embaixo da minha caminha.
Fiquei muito chateada e não contei a ninguém o ocorrido. Parei com as cartinhas, alegava que já estava crescida e que não acreditava mais em papai noel, mas na verdade até hoje eu tenho dúvida se o encanto do meu natal não quebrou justamente porque
eu não fui dormir.
Era uma manhã de sol escaldante, eu sempre muito levada aprontava as piores peraltices da casa e deixava minha mãe desesperada Uma dessas tardes de sol, eu peguei uma bacia de alumínio, dessas que tem em toda casa da roça; coloquei a bacia na cabeça e rumei pro açude, peguei um pedaço de pau, entrei na bacia e com o pau empurrei o barranco afim de fazer daquela bacia um barco. Empurrei repetidas vezes até que comecei a rodar, rodar, rodar e ir pro centro do açude,dessa vez não tinha como gritar, o medo era tanto que eu travei o corpo, a bacia girava e eu tremia. A bacia foi adentrando o açude, foi quando novamente meu irmão mais velho que estava pescando num barranco, ele me viu e pulou na água para me resgatar. Dessa vez eu não escapei de um castigo não, fiquei proibida de andar a cavalo, buscar frutas silvestre e subir em árvores...Mas isso só durou uma noite e um dia, eu sempre escapava dos castigos.
Marina LiberatoQuando eu era criança adorava jatobá, uma fruta silvestre e pouco apreciada pelo sabor bem característico. Numa dessas andanças em busca da minha fruta silvestre preferida, me perdi na mata já estava tarde quando meu pai e meu irmão mais velho saíram à minha procura, ao que ficaram surpresos, pois eu estava sentada e com a boca toda suja de jatobá, havia reunido todos os jatobás que eu podia e por não conseguir levá-los pra casa, resolvi comer ali mesmo, pelo menos até ficar uma quantidade que coubesse na roda da minha saia. Meu irmão ficou uma fera e brigou comigo, meu pai por sua vez só falou: -Deixe a menina, num ta vendo que ela conseguiu colher jatobá pro ano todo? -Pelo menos não vai se perder por pelo menos uns meses. Colocaram então as frutas num embornal e sobre o lombo do cavalo, me colocou sobre o animal e rumaram para casa. No outro dia eu tava distribuindo jatobá pra toda a molecada da corrutela. Criança que cresce na roça é igual bicho do mato, a mata adota e protege, dizia minha mãe, ao perceber meu sumiço novamente.
Marina Liberato